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Foto do escritorLaís Comini

noção de "eu" em psicanálise


Não sei quem sou, que alma tenho.

Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.

Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...

Sinto crenças que não tenho.

Enlevam-me ânsias que repudio.

A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,nem ela julga que eu tenho.

Sinto-me múltiplo.


Fernando Pessoa





A percepção do "EU" na teoria psicanalítica é um tema intrigante e complexo, que oferece uma visão profunda sobre a estrutura e o funcionamento da mente humana. Neste texto, exploraremos como a psicanálise, desde suas raízes com Sigmund Freud até as contribuições de pensadores como Jacques Lacan, entende e define o "EU". Vamos mergulhar nas nuances dessa teoria e sua relevância na compreensão do comportamento humano.


O Modelo Estrutural de Freud


Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, desenvolveu um modelo estrutural da psique humana composto por três componentes principais: o Id, o Ego e o Superego. O Id representa os impulsos instintivos e primitivos, que buscam satisfação imediata. O Superego, por outro lado, é a incorporação das normas e valores morais internalizados ao longo da vida. Entre esses dois, encontra-se o Ego, que atua como mediador, equilibrando os desejos do Id com as exigências do Superego e as realidades do mundo externo.

O Ego, ou "EU", é a parte da psique mais intimamente relacionada à nossa percepção consciente de nós mesmos. Ele lida com a realidade, utilizando mecanismos de defesa para proteger a mente contra o advento de desejos "proibidos" e conflitos internos. Esses mecanismos incluem a repressão, a negação e a projeção, entre outros, que ajudam a manter um certo ''equilíbrio psíquico''.


O Estágio do Espelho de Lacan


Jacques Lacan, um influente psicanalista francês, trouxe novas perspectivas para a psicanálise com suas teorizações. Uma de suas contribuições mais conhecidas é o conceito de "Estágio do Espelho". Segundo Lacan, o desenvolvimento do "EU" começa quando a criança se reconhece pela primeira vez no espelho, geralmente entre os 6 e os 18 meses de idade. Esse momento é crucial, pois leva à formação de uma imagem unificada do corpo e da identidade própria.

No entanto, Lacan argumenta que essa imagem é, em certo sentido, uma ilusão. A criança ainda não possui uma coordenação motora completa e uma percepção coerente do mundo. Assim, o "EU" formado nesse estágio é uma construção imaginária que esconde a fragmentação subjacente da psique. Para Lacan, o "EU" está sempre em um estado de divisão interna e alienação, constantemente tentando se definir e se encontrar.


A Relação com o Outro


Tanto em Freud quanto em Lacan, o "EU" é concebido em relação ao "Outro". Para Freud, o "Outro" é inicialmente representado pelas figuras parentais, que influenciam a formação do Superego e moldam os padrões de comportamento e moralidade do indivíduo. Em Lacan, o "Outro" tem um papel ainda mais fundamental, simbolizando a linguagem, a cultura e as estruturas sociais que moldam a subjetividade. O "Grande Outro" é um conceito central na teoria lacaniana, representando a ordem simbólica que estrutura o desejo e a identidade.


O Inconsciente e o "EU"


O "Eu" não é senhor em sua própria casa.

Um dos pilares da teoria psicanalítica é a importância do inconsciente na formação e operação do "EU". Freud propôs que grande parte de nossa vida mental ocorre fora da consciência e que muitos dos conflitos e desejos reprimidos influenciam nosso comportamento e nossa percepção de nós mesmos. O "EU" está constantemente lidando com essas forças inconscientes, tentando manter o equilíbrio entre os desejos e a 'moral' dita social.

Lacan expandiu essa ideia ao sugerir que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, com seus próprios significantes e significados que estabelecem, em cada um de nós, uma cadeia de palavras singular, estruturando a noção de "identidade". O "EU", portanto, é sempre incompleto e fragmentado, constantemente tentando se definir e se reencontrar através da interação com o inconsciente.


Implicações Clínicas


Na aplicação clínica, a interpretação psicanalítica do "EU" traz repercussões importantes. A análise busca revelar os conflitos inconscientes que afetam o "EU" e ajudar o paciente a integrar essas partes reprimidas de si mesmo. A psicanálise trabalha, na tentativa de identificar os mecanismos de defesa que o "EU" utiliza para lidar com os conflitos psiquicos, e para explorar a relação do paciente com o "Outro" e com o seu próprio inconsciente.

O processo analítico envolve a exploração das resistências e das transferências que ocorrem na vida do sujeito e são repetidas também durante a análise, ajudando no desvelamento inconsciente.


Dito isso:

A percepção do "EU" na teoria psicanalítica é complexa e multifacetada, envolvendo uma interação dinâmica entre o consciente e o inconsciente, o interno e o externo, o imaginário e o simbólico. Desde as contribuições pioneiras de Freud até as teorias inovadoras de Lacan, a psicanálise oferece uma visão rica e profunda do "EU" como um fenômeno em constante evolução, marcado pela divisão, pela alienação e pela falta-a-ser de cada sujeito. A análise psicanalítica trata-se também de uma travessia, além de uma aventura, a conhecer, reconhecer e reinventar o "Eu".

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